Antonio Tabet: "Fiquei aliviado ao sair do Porta dos Fundos"

Em março deste ano, Antonio Tabet tomou uma decisão que ponderava há muito: deixou o grupo humorístico que criou em 2011, Porta dos Fundos, e do qual era uma das principais caras. Contrapondo com o desapontamento dos fãs, o comediante brasileiro disse ao Observador estar “aliviado” e “na melhor fase da carreira”. Em Portugal, apresenta-se ao serviço em novembro como Peçanha, um polícia misógino e racista que nasceu nos sketches do Porta dos Fundos.
A digressão de Peçanha — Protocolo de Segurança começa a 19 de novembro no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria; passa pelo Teatro Sá da Bandeira no Porto, a 20; pelo São Mamede CAE, em Guimarães, a 21; e termina no dia 26, no Tivoli BBVA, em Lisboa.
A partir do Rio de Janeiro, onde vive, Antonio Tabet garantiu ao Observador que já está a sonhar com os locais a que quer regressar — incluindo um restaurante numa rua bem escondida de Évora —, mas sobretudo vai alimentando a vontade de um dia se mudar de vez para Portugal.
Nascido e criado no Rio de Janeiro, aprendeu a usar o humor na escola para se livrar de um bully, mas só aos 30 anos é que viria a descobrir seriamente a representação. Antes disso foi publicitário, teve um blogue e foi guionista, até se despedir para criar o estrondoso sucesso Porta dos Fundos. Com o grupo, ganhou um Emmy Internacional de Comédia pelo filme Especial de Natal, da Netflix, e faz parte da lista dos 100 brasileiros mais influentes do Brasil elaborada pela revista IstoÉ.
A infância de Tabet não foi de grandes luxos, mas foi feliz, pelo menos até o pai adoecer. Aos 13 anos, o humorista cresceu à pressa e passou a ser o principal cuidador do pai. Quando este morreu, dois anos depois, a mãe pô-lo fora de casa. Teve vontade de desistir, mas foi graças à antiga ama e aos amigos que lhe deram a mão que arranjou forças para se reconstruir.
Muitos capítulos depois, com 51 anos, tem no currículo sucessos em televisão, cinema, literatura e teatro. Mais recentemente, estreou-se no mundo das novelas e não pretende parar de experimentar coisas novas. No entanto, para já, regressa a um território bem conhecido ao levar as palcos portugueses o agente Peçanha.
Vamos começar por Peçanha — Protocolo de Segurança, o espetáculo que vai trazer a Portugal. Quem conhece o António, conhece obrigatoriamente esta personagem. Qual é a novidade aqui? O Peçanha é a personagem mais popular do Porta dos Fundos. Em mais de três mil sketches, era a única recorrente e, por isso, ficou muito popular. Havia uma demanda grande do público para ver a personagem no teatro, que acaba por ser um desdobramento natural do que vemos na televisão ou nos filmes. Decidi fazer uma incursão pelo teatro de forma a que a personagem, que é tão realista, conseguisse apresentar-se em palco sem ser muito ficcional. Este espetáculo é quase um híbrido entre um monólogo e um stand-up.
Já apresentou o espetáculo no Brasil. Houve coisas que foi limando consoante o feedback do público? A peça que se estreou em setembro [de 2024] é diferente da que estou a fazer agora. Como é um monólogo, há espaço para acrescentar elementos do quotidiano, portanto acho que ela está agora na melhor fase de sempre.
[o teaser de “Peçanha — Protocolo de Segurança”:]
Vai estar em Leiria, no Porto, em Guimarães e em Lisboa. Já conhece estas cidades todas ou há alguma novidade para si? Eu não conheço Leiria e Guimarães. O resto, sim, tanto em trabalho, como de férias. Eu sou apaixonado por Portugal, o meu sonho de vida é viver em Portugal. Adoro as cidades pequenas. Évora, para mim, é um pedacinho de paraíso.
Quando diz que o seu sonho é viver em Portugal, é um plano real ou um sonho bucólico? Quero muito. Só não fui antes porque tenho trabalho aqui [no Brasil], questões familiares, etc, mas espero um dia conseguir. E vocês são um povo bastante ardiloso, canalha quase, porque nos conquistam pelo estômago.
Há alguma coisa que goste sempre de repetir quando volta? Já viajei para muitos países, mas Portugal é o sítio onde melhor se come no planeta Terra, já estou com água na boca só de pensar. Quando vou a Évora, vou sempre à Taberna Típica Quarta-feira.
Como é que conhece esse restaurante? Tenho muitos amigos em Portugal — o César Mourão, o António Zambujo — que me dão dicas maravilhosas. Esse é muito peculiar porque só nos dizem o que têm os pratos depois de comermos. É incrível. Tenho muitos sítios na lista para o meu regresso.
Quando voltar, já não fará parte do Porta dos Fundos, coletivo do qual recentemente se separou de vez. Ainda está no processo de luto dessa decisão ou já está noutra fase? Foi uma decisão muito pensada e estruturada. Saí juntamente com o Ian [SBF], outro dos fundadores. Não quero alongar-me, por questões contratuais e porque os remanescentes pediram isso encarecidamente, mas posso dizer que fiquei aliviado com a minha saída. Estou feliz, na melhor fase da minha carreira e a sensação que tenho é — e voltando à conversa que estávamos a ter há pouco sobre restaurantes — mais ou menos como se eu e um amigo tivéssemos aberto o Típica Quarta-Feira, em Évora. As pessoas chegam e dizem: “Que restaurante curioso, que novidade boa”. As pessoas começam a gostar, o restaurante cresce, cresce, cresce e então chega alguém que diz: “Este restaurante está enorme, vamos transformá-lo num McDonald’s”? Nesse momento eu digo que não é para mim. Foi mais ou menos isso que aconteceu. Foi uma saída consciente, estou noutra fase agora e, a qualquer momento, eu posso abrir a Taberna Típica Quinta-Feira.
Referiu que está no melhor momento da sua carreira, mas não foi fácil chegar aqui. Cresceu numa família de médicos, mas os seus pais eram da classe trabalhadora. Não teve uma infância com luxos, certo? Quando um homem como eu, branco, cis, hétero, em 2025 diz que é filho de médicos, mas não teve uma infância fácil parece hipocrisia, mas é pura verdade. Lá nos anos 70 e 80, os meus pais não eram médicos que faziam dancinhas no TikTok, trabalhavam em hospitais públicos, saíam de casa às sete da manhã e voltavam às 20h ou 21h. Faziam turnos nos hospitais da Zona Norte ou na Baixada Fluminense. Eu notava que eles faziam um esforço enorme para me pagar uma escola particular, porque a educação pública no Brasil infelizmente fica muito aquém do que se exige para termos êxito e uma carreira. Eu era certamente o aluno mais pobre da minha turma. Os meus colegas iam para a Disney de férias, eu ia para a praia a pé ou de autocarro; iam para a escola com motorista, eu ia a pé ou de autocarro. Conheci a Disney já depois dos 40 anos para levar os meus filhos. Não foi uma infância de pobreza, de favela, mas foi simples. Acho que isso me fez exercitar uma certa empatia — mas, quando se é criança, é óbvio que isso nos deixa num lugar de tristeza.
Sentia-se injustiçado? Apenas triste porque sabia que nunca ia viver certas coisas. Mas o tempo foi passando e comecei a ver em mim virtudes humanas e de cidadania que, às vezes, não via nos meus amigos. O amigo pode ter um carro melhor, viajar, ter mais dinheiro, mas depois destrata uma pessoa pela cor da pele dela ou pela condição social e eu sempre me regi por um dogma que o meu pai me ensinou e que também passei para os meus filhos, que é o seguinte: “Cumprimente sempre o homem na subida da ladeira porque vai encontrá-lo novamente na descida”. Outra coisa que o meu pai dizia sempre era que conhecemos o caráter de uma pessoa pela maneira como trata o empregado de mesa. Então, os meus filhos tratam muito bem os empregados de mesa.
observador